quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Fidelidade ao sentimento





Estamos tão (mal) acostumados com o tradicional “até que a morte os separe”, que esquecemos de algumas importantes lições que a poesia traz para a nossa vivência... Vinícius de Moraes, em seu “Soneto da Fidelidade”, nos lembra com maestria alguns importantes preceitos para a vida a dois. Os versos do poeta não garantem o amor até a morte, mas que ele “seja infinito enquanto dure”.


O final de ano se aproxima e, naturalmente, surge a reflexão sobre nossas relações... Será que elas têm sido chama, será que estamos atentos ao sentimento, ao seu riso ou ao seu pranto? Ou, quem sabe, a pretensão de que o amor dure até a morte nos faça acomodados, deixando para depois o cuidado, para depois o ouvir, para depois o viver o sentimento em toda a sua intensidade. E, assim, vamos levando sentimentos velados, comedidos.


O amor incontido se contém na rotina diária. Olho para o meu redor e vejo relações que são mantidas por medo – ou comodismo. É como se o amor pudesse ser fracionado para durar a vida inteira, ou pior, escondido, para deixar-nos menos suscetíveis, garantindo a longevidade do sentimento.


Só que o amor em sua essência acaba esquecido em meio a tantos artifícios e as pessoas continuam juntas, sem muitas vezes lembrar até o porquê deste compartilhar. As pessoas permanecem juntas simplesmente esperando que a morte as separe. Não quero aqui fazer apologia à separação. Muito pelo contrário, pois acredito que se houver amor e fidelidade as relações terão vida longa. Porém, não deve ser este o objetivo a ser perseguido, daí a beleza do Soneto da Fidelidade: que seja infinito enquanto dure! E que não seja imortal, posto que é chama. E a chama precisa constantemente de alimento, senão se extingue.


E sobre a tal fidelidade? A base dela não está no outro, mas em cada um, na coerência com o seu próprio sentimento: “Que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais meu pensamento”. Afinal, o amor e as relações existem como dádiva – e não como obrigação! Então, que tal aceitar o convite do poeta e viver o sentimento em cada vão momento, deixando de lado o medo da morte, angústia de quem vive; deixando de lado o medo da solidão, fim de quem ama?

(Caroline Strüssmann)


Soneto da Fidelidade


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes

Extraído da Revista eletrônica NOVOLHAR


Bjusss da Bechana Cíntia

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